Hoje é dia nove do nove de dois mil e nove, e o dia acordou assustado com um violento estalar de um trovão. Primeiro o flash intenso de luz fria e branca que tudo iluminou, segundos depois o estrondo, que apesar de grandioso, foi o mais meigo de todos. Logo seguiram-se outros de uma tal intensidade que mais parecia que Lisboa era uma casinha de madeira que acentou bases no topo de uma gigantesca pedreira de mármore, agora fustigada pelo impiedoso chicote de fio de diamante, rasgada em tonelados cubos para venda a retalho. Ao terceiro disparo, uma cortina de gotas de água estendeu-se pelas janelas de todas as casas, primeiro sob a forma de tímidas gotículas, seguidas de pesados cachos, devolvendo o brilho e a vida às árvores e plantas da cidade, agora regozijadas por tão inesperada rega. Ao fim ao cabo, ainda estamos em setembro, que como o nome indica, deveria ser o mês sete e não o nove, mas alguêm andou aqui a trocar as voltas ao calendário das estações? O meu divagar é rapidamente interrompido pela magnifica visão de um arco-íris, simbolo da aliança entre os homens e Deus. A ruas estão já alagadas pelas nascentes vindas do céu, que adquiriram rapidamente a aparência de lagos, rios, poças, posso ou não até jurar de que ouvi um casal de sapos coachar, num romântico ritual de acasalamento, ou talvez apenas de cio. "Cio da terra" como canta no meu ipod o grande Chico Buarque. O perfume esfuziante da terra molhada fala mais alto do que o café e as torradas de pão de cereais feito de véspera, que agora ameaça ficar em carvão na torradeira elétrica. - Querida, anda ver o arco-íris ! Oiço os seus passos descalços e ensonados. - Não estou a ver nada... Virou-me as costas e foi-se embora, talvez se tivesse as lentes colocadas teria visto as maravilhosas cores meio esbatidas pelas nuvens carregadas de cinzento escuro, mas o sono devolve-a pesadamente à cama. Está imenso calor e sinto a nuca a escorrer suor, mesmo depois do duche. A cadela olha intensamente nos meus olhos e assim que me levanto desata numa correria em torno de si própria. - Hoje não pequenita, hoje está a chover e eu já estou atrasado para o comboio. Já a caminho da estação lembro que faltam dois dias para o oitavo aniversário do onze de setembro, e uma súbita tristeza invade o meu andar. Há tanta coisa que não me faz sentido, esta noção de tempo distorcido é a grande dúvida do milénio, será que o tempo existe ? Viveremos nós num presente continuo ? Será o futuro o presente do passado ? Se os Deuses hoje me ouvem, que venham cá abaixo beber um cafézinho comigo, na estação do campo grande, para podermos trocar dois dedos de conversa.
Jorge Courela
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